Amanhã também vai ser outro dia

No pós bariátrica, minha principal complicação foi a insônia. Já saindo da anestesia não consegui dormir bem e aí foi só com medicação, que ainda estou tomando. Fui na psiquiatra, primeira vez da minha vida, e ela disse que é normal precisar de uma "ajudinha" no primeiro ano porque são muitas adaptações no corpo. Felizmente tenho dormido bem, então acho que esse primeiro problema está remediado.

Li na bula que o remédio começa a ter efeito anti-depressivo com duas semana, e amanhã completo apenas uma semana tomando o remedinho. Ansiosa para ver se fico melhorzinha, porque agora minha cabeça tá tentando todo tipo de comportamento antecipatório de tragédias variadas futuras, as quais eu não tenho o menor controle.

Sempre fui assim, mas nunca fui doida. Aparentemente quando cortaram meu estômago meu cérebro entendeu TRAGÉDIA.

Tenho sobrevivido bem às variadas dietas: primeira líquida total, depois líquida e agora pastosa. A vida é sem gracinha sem uma comidinha gostosa, devo dizer. E parece que tudo de social que eu quero fazer precisa de comer. Mas vou precisar muito de terapinha, né.

Eu sei porque estou ansiosa. Minha vida agora é uma enorme "esperando a próxima evolução", esperando pra ver o que vai ser, como vai ser, como eu vou ser. Difícil. Faz efeito, remedinho.

But I would walk five hundred miles and I would walk five hundred more, just to be the one who walked a thousand miles

Postei esse post abaixo sobre a bariátrica no Instagram. Nunca tive tanto engajamento. A foto é sem graça, não existe motivo para chamar atenção. Fico pensando se as pessoas são muito fofoqueiras, acho que são. Eu sou também.

O motivo de eu ter promovido essa revelação é justamente porque não gosto de pensar nas pessoas vendo minhas fotos e tentando adivinhar se fiz bariátrica ou não. Fiz sim, o que que tem?

Também já estabeleci o tom: sou linda hoje, e aí de você que ousar me dizer que depois vou ficar muito mais bonita. A beleza tá aqui agora,viu? Aproveitei para espezinhar meus arquiinimigos bariátricos gordofobicos, que junto ao seu auto ódio tentam fazer todo mundo mais se odiar. Não quero ser assim. Não quero nunca odiar qualquer versão de mim.

E finalmente, queria muito também agradecer publicamente ao meu conge. Só ele sabe o trabalho que tá dando. É muito. Ele tá sendo ótimo.

Sobre o post: Muitas respostas fofas e reafirmações de amigas de que sou ótima e linda. E uma tia me mandou em privado que está torcendo por mim.

Ela foi a primeira pessoa a me mandar fazer bariátrica e eu pesava uns 30 quilos a menos. Só agradeci, mas aqui, no meu espaço seguro, fica a reflexão pro leitor: nunca seja a fonte de insegurança de alguém. Ainda mais alguém que confia em você. "Conselhos" de como a vida deve ser levada devem ser dados com muito cuidado. Essa minha tia me questionou em conversas sérias cada ponto da minha jornada. Um tormento tremendo. Escrevi sobre ela esse ano, só vocês verem abaixo.

Porém, uma das coisas que eu nunca quis na vida era fazer bariátrica como reafirmação a esse tipo de pessoa. Agora tô com um gostinho amargo de falha. Mas nem é, eu sei. Isso que eu tô vivendo agora é muito diferente do que a Alice 20 anos atrás vivia. Inclusive porque felizmente me tornei uma mulher muito mais confiante.

Meu superpoder é minha confiança. O ruim é que tem várias criptonitas por aí.

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Post do Instagram:

Cada um desses post-its é um refeição que eu fiz num dia desses. Parece muito, mas cada um era 70 ml, de hora em hora. E se esse pouco-muito por vários dias parece trabalhoso – e foi – quem fez esse trabalhão foi o meu conge, mostrando pro machismo (sim, ele foi questionado várias vezes por todos os profissionais que me acompanham se ele, como homem, realmente daria conta dessa atividade de cuidado. Ele deu). Obrigada por tanto cuidado, amor meu.

Esse post também é para eu contar que fiz bariátrica. Tive uma jornada bem longa até chegar aqui, e assim como sempre fui orgulhosa de ser qualquer coisa que fui, inclusive gorda, pois então, agora estamos bariátricos. É parte de abraçar o corpo que me é lar, me sustenta, dá conta de mim. Encontrava beleza nele antes, espero que siga encontrando agora. Aviso que não vou ficar mais bonita, "agora sim!". Eu sempre fui, viu. Repara nas outras fotos aí. Lindinha.

Uma das coisas que menos apreciei nessa jornada de gordofobia foi justamente meus encontros com os ex-gordos que passaram pelo procedimento. Quero ser assim não. Então nem busquem "antes x depois", "x tempos depois da melhor decisão" "eu renasci pra que minha melhor versão pudesse existir", "borboletei"… UGH NÃO PÁRAAAAAA!

Fazer bariátrica foi difícil. Foi difícil escolher fazer, difícil fazer os exames obrigatórios, difícil para que plano aprovasse, difícil o pós operatório e vai ser muito difícil agora que eu terei que reaprender tanta coisa.

Mas fica mais fácil porque tenho gente incrível comigo. Obrigada.
Agora bora, time. A primeira semana já passou!

‘cause we survivin’

Falar sempre é muito mais fácil que fazer. "Tô ótima", mais fácil dizer que existir. "Vai ser rápido", mas ao vivenciar cada segundo dura 100.

No hospital eu tive uma crise de ansiedade. Me deram remédio pra dormir. Tive alta rápido, em menos de 24h pós cirurgia. Tive crise de ansiedade na noite seguinte. Não tinha remedinho pra dormir. Fiquei repetindo pra mim mesma. "Tô ótima, vai ser rápido". Eventualmente, depois das 3 eu dormi. Faltam só 10 dias pro resto da minha vida.

Ela é um barato e é da pesada

Já contei aqui essa que foi a minha pior experiência de gordofobia: tava numa despedida de solteira quando uma amiga em comum chegou em mim e disse: cara, acho incrível que você com esse corpo esteja aqui. Eu, com o seu corpo, nem saia de casa. Que bom para você”. Dizer que naquele momento eu desejei que o chão abrisse e eu sumisse nem é necessário, né. Foi horrível. Fui embora imediatamente com vergonha e horror.

E foi ali que eu fui apresentada ao pior tipo de gordofóbico: o ex-gordo que fez bariátrica.

Aquele serzinho triste que se odiava tanto que não consegue conceber alguém ser feliz com os quilos a mais que ele também tinha. Aquela pessoa que deleta todas as fotos antes da cirurgia, como se a obesidade fosse algo necessário esconder.  Aquela pessoa que comemora anualmente o aniversário de renascimento. Aquele querido que sempre que pode posta um antes (triste, patético, cansado) e um depois (feliz, sexy, enérgico!). Ahhh, eles são os piores.

E eu nunca, nunquinha mesmo, quis ser esse tipo de ser humano horrível. Porque eu lutei taaaanto para construir uma confiança enorme apesar do meu peso, que imagina que a base da construção da minha confiança e personalidade seria justamente a perda dele?!

Verdade seja dita: bariátrica não faz transmutação de personalidade não, o bariátrico gordofóbico era só um gordo que se odiava. Se o mundo já é tão cruel com o gordo, é muitíssimo violento pensar que o ex gordo entra aí praticando essa crueldade que vivenciaram no topo (já dizia Paulo Freire: “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”).

Ontem vi este vídeo (link) de uma mulher obesa dizendo coisas muito tristes sobre o fato de ela ter se educado a não receber migalhas por atenção masculina, mas isso significava simplesmente que ela tinha deixado de receber essa atenção. Que ela, por ser gorda, não tinha acesso ao amor romântico e então era muito difícil ignorar a opinião dos homens sobre ela e não deixar que isso afete sua auto-estima. Ela termina o take falando que várias pessoas emagrecem e assim conseguem acesso a relacionamentos. E ela enfatiza o tanto que isso é bizarro, porque a personalidade e valores dela seguem com peso ou sem peso, ela é a mesma pessoa, então como pode ser tão difícil um homem não conseguir ver o que ela realmente é e valoriza-la por isso? Os homens sequer tentam vê-la como uma pessoa real.

Eu fiquei pensando em que eu tenho realmente que me preparar mentalmente para isso, ser tratada diferente porque possivelmente me tornarei uma mulher mais magra. Sobretudo por quem já convive comigo agora. E o tanto que ser chamada de linda e saudável depois, com tanta ênfase, na verdade nega o linda e saudável que eu sou agora, mas aparentemente só eu sei.

Dame vida y dame aliento

Sou a prima mais velha da minha família materna.

Tenho uma tia que sempre questionou todas as minhas escolhas. Quando me formei no colégio, me criticou por fazer universidade particular quando estava me formando em um colégio tão de ponta. Quando me formei na universidade, questinou como é que eu não ia pra diplomacia se formei em relações internacionais. Quando voltei dos Estados Unidos, porque é que queria trabalhar em ONG sendo que existe concurso público que paga bem mais? O foco era sempre ter mais sucesso, ganhar mais dinheiro, fazer as coisas de mais prestígio. Nunca eram minhas vontades, desejos, sonhos e felicidade.

Passados muitos anos – inclusive passado o tempo que eu sequer consulto a opinião dela – as duas filhas da minha tia, agora já adultas, passam por dificuldades devido às escolhas 100% focadas em sucesso, dinheiro e prestígio. Não é que eu torça pela infelicidade das minhas primas, mas é claro que não. Mas acaba tendo para mim um sabor de justiça saber que as escolhas tão óbvias e racionais não são um caminho fácil na prática.

E pensando assim, até reflito: no meu aniversário desse ano fiquei com um saborzinho amargo de fracasso, pensando que minha vida tá estacionada, que eu poderia mais. Porém tenho que reconhecer que trabalho com algo que gosto, recebo um salário bom em uma empresa grande, que pago minhas contas sozinha há tempos e que no fim todas as minhas escolhas profissionais me trouxeram aqui, pra um lugar de conforto.

Vai ficar tudo bem. Comigo e com as minhas primas também.

Don’t you feel like crying? C’mon and cry to me.

Sendo bem sincera, termino esse 2023 me sentindo xôxa, capenga , manca, anêmica, frágil e inconsistente, por mais que eu tenha tentado tirar alguma lição positiva disso tudo.

Não sei se vocês também tem a sensação de que tão cansados de serem vocês mesmo, mas ando sentindo zero motivação pra existir. Não é pra causar muita preocupação porque meu piloto automático é extremamente produtivo e resiliente, sigo fazendo tudo que tenho pra fazer, mas mais entre suspiros de preguiça do que sorrisos de conquistas.

Por sorte tenho mais uma semanazinha de férias e tô mirando em acordar tarde, descer pra piscina e dormir a tarde inteira, tudo isso vendo série ruim no Netflix e comendo Chips porque tem hora que o remendo da vida é um ultraprocessado independente do que diga na embalagem (desculpa terapeuta comportamental especialista em alimentação que tá me atendendo ajudando a preparar para “o procedimento”).

I’m my inspiration

É meio inevitável ter a sensação que eu não sai do lugar. É que eu tô no mesmo lugar que estava em dezembro de 22 já que ano que vem eu quero as mesmas coisas que eu queria pra esse… e não alcancei. Eu só fiquei mais velha.

Mas também fiquei mais resiliente. Mais segura. Mais decidida. Com muita certeza de quem é minha rede de apoio. Ciente dos meus limites e completamente consciente que eu não controlo absolutamente nada e a vida é imprevisível, por mais que eu faça a minha parte.

Não é que eu não tenha feito nada em 23. Mudei de casa e a nova é tão gostosa. Fiz uma viagem incrível que eu queria muito, mas me enchia de medo, e tudo deu certo e só fui feliz. Meu relacionamento melhorou e amadureceu. Sorri muito. Chorei um pouco. Vi um Beatle ao vivo e também o Gilberto Gil. Meu projeto no trabalho que era só plano saiu do papel e se tornou real em cinco países ao mesmo tempo. Tive muita esperança e uma quantidade terrível de frustração. Senti muita ansiedade. Passei por um período horrível e depois meu coração aliviou. Minha mãe está feliz, meu pai está com a saúde melhor, minha irmã está conquistando coisas, meu gatinho está muito fofo e o meu amor é cada vez mais nosso.

Tá tudo bem. 2023 foi bruto. Tomara que 2024 eu realize meus planos. Senão, tudo bem também. Eu já sei que eu vou fazer o possível pra viver bem.

I’ve been so busy but I know I’ll gonna be alright

Às vezes o plano dá errado e isso tem sido muito frequente. Acho que é consequência de ter aprendido a fazer plano, ter reaprendido sonhar e querer coisas. Por muito tempo fui muito cética, muito realista, muito consciente dos meus limites – me auto definia como pé no chão. Aprendi a viver com o que tinha – o que é fácil quando a gente vem de muito. Eu nasci em uma família estruturada, com acesso a educação e oportunidades incríveis. Estudei em colégio bom, estudei na faculdade que escolhi e não foi sonho, só aconteceu. É um curso natural do rio. Minha vida foi correndo assim, eventualmente fiz grandes e pequenas escolhas que se apresentaram e mudaram o curso das coisas, mas nunca com base em sonhos.

Pois bem, inventei de sonhar. E com o sonho tenho aprendido muito a falhar. Na prática mesmo. Cada lapada direto no coração. Dói.

Mas hei de persistir.

At last…

Hoje o Peri mora comigo. Aquele gatinho que um dia sumiu e ficou dois meses perdido. Aquele gatinho que eu sentia saudade todo dia, mora há mais de um ano comigo.

Quer dizer, com a gente. Ele, aos 11 anos de vida, escolheu um dono que não sou eu. É meu conge. São uma dupla dinâmica, almas gêmeas, melhores amigos. E o gatinho mais feliz que nunca, tão fofinho como sempre.

Esses dias lembrei muito de um causo de quando minha mãe e irmã acharam o Peri bebê na rua e o levaram no veterinário. O médico agarrou o Peri e dizia “quem ganhou na loteria? Quem tirou a sorte grande?”. Pois foi ele sim.

Um gatinho que na casa da minha mãe vivia em armários e embaixo do sofá agora vive um grande amor.