Não importa muito o dia da semana, mas era um dia ruim. Tão ruim que eu simplesmente já estava anestesiada, sem, naquela altura, nem sentir dor mais. Anestesiada de tanto levar pancada.
Eu tinha dormido naquele quarto de hotel sozinha, e sozinha seguia naquela cidade que parecia vazia. Talvez eu nunca tenha me sentido tão sozinha na minha vida, e por isso esperava tão ansiosamente por ele, mesmo sabendo que aquela espera significasse que ele estivesse voltando depois ter ido ver outra pessoa que importava mais do que eu.
O único foco ali é que ele tava indo me ver, e saber que eu não estaria mais sozinha. Mesmo que por breves momentos, não estar mais sozinha parecia compensar quela humilhação toda, que eu, apesar de anestesiada, ainda sentia. Porque aquilo não era nem resiliência, a tal capacidade de resistir bravamente às porradas da vida. Era masoquismo emocional e do pior tipo: quando você sabe que está cometendo.
Para passar o tempo, enquanto esperava ele vir de trem de outra cidade, que era a cidade dela, eu passava horas entre a Augusta e a Paulista e entrava, sem intenção de comprar nada, de loja em loja, até me ver dentro de uma livraria. E veio aquela onda de alívio, porque eu poderia passar horas ali dentro sem ninguém achar nada estranho, abrindo livro por livro e me identificando com tudo e qualquer coisa – porque é isso que a gente faz quando está muito triste, parece que todas as coisas foram escritas sobre nós.
Quando eu falo de horas, parece exagero, porque eu sempre exagero, ainda mais quando se fala de sofrimento. Mas foram de fato horas, porque na espera eu me perdi e me achei no centro de São Paulo, fui ao cinema, escrevi uma carta de umas quatro páginas e entrei naquela livraria. Foram horas que nunca voltarão. E que talvez nunca devessem ter passado. Horas anestesiadas, mas horas.
E naquela livraria fui passando seção por seção, até chegar à de direito e sentir um conforto que nenhuma frase triste tinha me dado até então. Tinha ali um livro do meu pai. E o plano era simples, consistia em abrir aquele livro e ler meu nome ali, na dedicatória, tão familiarmente ao lado do da minha irmã. Tão confortavelmente impresso naquela página, como tinha estado por todos aqueles anos.
Mas aconteceu que não. Até tinha meu nome, só que aquilo não gerava conforto algum. Acima dele – para alguém que claramente importava mais do que eu- tinha um poema monstruoso, ofensivo e de mal gosto, e tudo isso sem eu ter compreendido uma só linha. Palavras cujo significado era só um: dedicavam aquele livro, que foi escrito tantos anos antes, a ela, que tinha destruído a minha família. E de repente o mundo inteiro era das outras, as que destroem. O mundo todo também era deles, a quem eu dedicava tanto amor e tão pouco pareciam se importar comigo. E cai em prantos. Aquele choro em alto volume e lágrimas enormes no meio de uma livraria em plena Avenida Paulista.
Foi quando eu notei ao meu lado um vendedor da seção jurídica. Ele parecia desesperado ao me ver chorando com um grosso volume de teoria de direito em mãos. E daí eu só fui embora, engolindo o choro e guardando, de novo, aquilo tudo só para mim. Larguei o livro num lugar qualquer e foi para a rua, enfrentar, de novo, sozinha tudo, só que agora doia. O que mais eu poderia fazer? Como é que eu iria dizer para ele “mas moço, desculpa o choro, é que quebraram meu coração pela segunda vez em 24 horas e agora eu tô chorando pelas duas?” sem parecer mais louca ainda?
E é exatamente porque aconteceu tudo isso, anos atrás, que na sexta-feira, quando meus olhos encontraram um porta-retratos com fotos de um casamento para o qual eu não fui convidada, que tirei os olhos rápido e segui em frente. Simplesmente porque não é tempo mais de corações partidos.